ao fim que não tivemos

quando nos conhecemos, eu tentava exaustivamente entender o porquê. o porquê de alguém tão diferente e tão longe de mim entrar tão ferozmente na minha vida. e eu não conseguia entender. não conseguia, nem de longe, conceber a ideia de como alguém era capaz de despertar tanta paixão em mim, quando eu supunha que já havia me esvaziado de qualquer quantidade de amor que eu pudesse doar. e eu não conseguia entender. me restou aceitar que, às vezes, os inícios não podem mesmo serem explicados didaticamente.

mas eu sabia. por dentro do próprio sentimento, que não duraria.

eu boiei ao seu redor na minha própria volatilidade. e ela me afogou porque meu corpo se tornou pesado demais para continuar.

eu queria sempre te falar sobre meus medos e traumas passados, ao invés disso, eu os revivi porque você me assustava. há muito tempo eu não queria me render à ninguém, eu não queria corresponder ao tom exagerado de alguém gostar de mim, eu não acreditava mais com toda fé católica que sempre depositei no amor. eu tive muito medo. eu queria que você soltasse meu braço, mas você me colocou em um pedestal e ao meu redor, construiu um altar. eu nunca duvidei da maneira como me amava, embora eu tivesse medo de que ela te cegasse. eu nunca duvidei que te amava, embora eu tivesse medo de me tornar cega. eu tive medo de me transformar em duas quando eu nunca tive nada palpável com alguém. eu nunca aprendi, sabe? eu nunca aprendi a aceitar amor porque, no fim, ele sempre saiu pelas primeiras frestas. eu nunca aprendi a aceitar o amor de alguém, isso inclui o meu amor-próprio, porque eu sempre fiquei sozinha em histórias longas de dores complexas, mesmo quando a outra pessoa já havia partido.

eu quis te contar que eu não consigo ter um conversa com meu pai porque algo ruim nos aconteceu quando eu ainda era só uma criança. ali, foi a primeira vez que me vi sozinha mesmo quando meu pai, visivelmente, já havia partido. eu quis te contar que, uma vez, meu avô simplesmente desapareceu sem trazer para casa o amendoim que sempre dividíamos. e a partir daí, visitas aos hospitais começaram a ser constantes, até que acabaram. meu avô voltou em uma cama engraçada e todos choravam ao redor dele. aquele dia foi o último dia em que usei meu vestido vermelho favorito porque choveu e eles o levaram embora. ali eu entendi o que era ser deixada para trás, foi quando eu aprendi a não confiar. minha mãe, sempre foi má comigo, a minha lembrança mais antiga é o dia em que ela me entregou para os meus avós. as pessoas que mais amei, tiraram de mim, a vontade de me entregar.

mas eu fui amada. eu fui acolhida. eu tive uma infância saudável apesar dos porquês. eu tive tios e tias que eram pais, eu tive uma avó que foi uma mãe, eu tive primos e primas que foram irmãos. mas as primeiras marcas ficam e os danos perduram.

depois eu quis te contar sobre o pior namoro que tive em minha vida e como ela levou de mim a leveza, meu riso fácil e a minha fé. ela me deixou marcas na pele e também na alma. ela apagou algo dentro de mim que ainda hoje não consigo acender. depois dela, qualquer sinal de amor, era uma ameaça. eu prometi que ninguém arrancaria mais nenhuma parte de mim, nem por amor, nem por ódio. nem por carência e nem por paixão. depois dela, eu me tornei um pedaço flutuante em volatilidade. proteções que se cria como ferramentas para sobrevivência. a minha foi ser fechada e inconsistente
em escolhas estranhas na minha forma de viver como se eu não devesse e não pudesse nunca errar, ser fraca ou vulnerável.

eu sempre cobrei de mim posturas claras e objetivas: vai, volta, fica. e você deturpou isso em mim porque, de alguma maneira, eu decidi que era amor. e não pequei em sentir esse sentimento por você. eu não deixei de desejar contigo uma chance, um futuro, uma vida. eu não deixei de desejar antigos clichês com você. que me mostrou que dava para sentir, que dava para deixar que me tocassem e me levassem pela mão porque, no fundo, eu gostaria de acreditar que esse não seria mais um fim para a lista das coisas boas que foram embora.

você foi honesta ao ir embora porque havia se cansado porque nunca viu, além de mim, o medo. parte disso é porque nunca fiquei nua além da nudez para você. nunca te contei do que me acorda de madrugada aos prantos. parte disso é porque eu queria que você me visse como eu sou, mas nunca me fiz vulnerável para você. e eu sinto muito.

depois disso, eu chorei. eu pedi aos meus guias espirituais que você voltasse. eu desejei ter sido diferente. mais-um-fim. mais-um-fim. hoje, eu peço para que doa cada vez menos você estar com outra pessoa da forma como esteve comigo. porque você foi. entrou em outra vida, em outros planos, com alguém que, supostamente, não tem medo de te amar. enquanto eu estive parada, talvez esperando sua volta, talvez esperando as respostas para as minhas questões. porque essa foi a forma que eu encontrei para continuar seguindo em frente. para lidar com a saudade que pesa o coração. para lidar com mais um fim. para lidar com esse sentimento de que não queria ser esquecida por alguém que eu tanto amo. eu não queria ser esquecida por você.

por mais que a dor ainda me incomode e incomode a ponta da memória e tudo que fizemos uma a outra, ainda esteja recente na minha pele, na minha vida, na minha memória frágil. por mais que você tenha ido embora antes de mim e tenhamos nos separado por entender não havia mais sentido em estarmos juntas, ainda que separadas porque a dor causada era maior que o amor que implorava para ficar. porque existe a separação para nos mostrar que é humano estar longe, do outro lado, em outro sentido. eu desejo que você olhe para dentro e encontre o que eu encontrei em você: uma fé enorme movida por amor. paciência com aquilo que você é, com tudo o que construiu e com tudo aquilo que pretende ser. continue vivendo de acordo com sua liberdade que mais tem a ver com ser aquilo que você é do que com quantas correntes se arrasta aos pés. você é forte, você é grandiosa e você é grane, não em tamanho, mas em magnitude. e eu te desejo amor. acima de qualquer coisa.

 

ao fim que não tivemos

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