Ensaio de fuga

Fugindo de mais esse texto há dias, porque isso de você me inspirar não está lá muito certo. Evitando essas rimas que me surpreendem entre o café e o cigarro, escapando pela tangente de palavras que insistem em sussurrar teus absurdos no meu ouvido. Desviando de entrelinhas, silêncios e suspiros que possam dar a entender qualquer coisa que não seja.

Tateando o papel, buscando verdades.  Criando uma ficção obscena em que meus dedos atuam seu papel. Enganando meu olhar pra não encarar poesias, nem descobrir que te quero. Pedindo por milagres que repitam as noites que compartilhamos pernas e calamos silêncios com a urgência de nossas bocas abertas e quentes consumindo um desejo que não sei de onde ou quando veio. Só veio quando não mais havia tempo.

Percebendo saudades. Escrevendo vontades. Não posso. Usando luas e astronomia clichê pra justificar tanto você no pensamento. Pensando que consigo, quase acredito, mas não dá. Procurando jeitos de acelerar o tempo, engolindo a inspiração sem gelo. Buscando escapar de beijos, gostos  e declarações que você nunca fez.

Deslizando entre o incabível, pra não ouvir certas canções, disfarçando que não te encontro nesses refrões óbvios. Evitando uma tempestade já estando molhada. Sufocando perguntas porque não importa mesmo as respostas. Evitando nomear o coração coisado para que não me descubra tão perto, tão desnuda, tão vulnerável e tão invadida. Mas a vontade de me dividir persiste. E eu nego. Eu fujo e corro. Porque, se falo, parece abrir uma porta que não tenho tanta certeza que precisa ser atravessada. Porque, se escrevo, há o medo da vulgaridade se dar por vencida.

Lamentando a sua falta nessas noites de casa vazia e todo o tempo do mundo para te beijar. Cerceando uma vontade que nem sei se quero mesmo controlar. Não me sentindo livre o suficiente para gritar por aí o que não aguento mais esconder. De mim. De você. Do restante do mundo. Me desesperando pela falta de nome, de noção, de medida, de certo e errado, de fica ou vai embora. Todas as inseguranças próprias do que não se calcula, mas que a imaginação não deixa em paz.

Tentando evitar esse texto para inevitáveis noites. Mas você me tenta. E mesmo assim eu tento. E por castigo, eis o texto e uma fuga em vão.

Ensaio de fuga

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