Mais uma de amor

Nós brigamos. É isso que fazemos ou, pelo menos, fazíamos. Não sei mais qual tempo verbal utilizar ao me referir à você. Pontualmente, pelos mesmos motivos, brigamos. Sou complicada demais, ansiosa demais e tudo aqui é exagerado. Preciso de amor demais, de atenção demais, de tesão demais e, de quebra, ainda preciso de um espaço individual para onde correr quando tudo me sufocar e me encher de medo. Um medo que, até então, não sabia de onde vinha ou porquê existia. Você sabe, o medo é o que preserva nossa existência. Acontece tudo muito rápido e quando se percebe, seu corpo está correndo desgovernado em direção contrário àquilo que ele julgou ser perigoso. Além disso, sempre fui muito arrogante, muito prepotente e, infelizmente, muito egoísta. Eu te avisei, Carol, eu não sou tão boa quanto você achava que eu fosse.

Não sei te explicar o que aconteceu direito ou, na verdade, eu saiba te contar detalhadamente porque sempre fugi de você e porque seu amor por mim sempre me causou tanto medo. Um pouco tem a ver com o fato de eu ser depressiva e mal-resolvida e um outro pouco tem a ver com a distância, mas grande parte, por mais que você me desse o fundamental, você não poderia me dar o que eu precisava. Repito: depressiva e mal-resolvida, essa sou eu. E na minha prepotência de achar-me dona da razão, você estava numa fase da vida a qual eu já havia superado e não queria mais uma vez viver sobre a mesma narrativa. Eu sei é que te falei um monte absurdos sem ser sincera e sequer te dei o direito de resposta. Coloquei uma pedra sobre tudo que éramos juntas.

Nós éramos muita coisa… coisa pra caralho! Era cumplicidade, era felicidade de eu poder te ter entre os melhores momentos do meu dia, era o carinho dos bom-dia e boa-noite, sua paciência perante minha indecisão e vontades tão bipolares, as conversas sem fim por vídeo chamada, nossa exaltação quando se aproximava de nossos encontros, o amor que sempre foi desmedido…E eu joguei tudo fora.

A vida acontece e nos permite fazer umas coisas muito bobas com a gente mesmo. Ainda que eu não saiba resolver, encontrei toda a raiz do meu problema e a resposta do porquê eu andava tão besta. Não demorei a ver o tamanho da burrada. Virei as costas e já não sabia mais como continuar. Mas se eu cortei o laço que nos unia, foi pra evitar que bem lá na frente a gente deixasse de se querer bem; que a gente esquecesse que, um dia, não feriu. Foi pra guardar você em mim da única forma que deveria ser guardada, a memória reluzente do momento em que eu soube que te amava.

Mas nada sai como o planejado, eu já deveria estar acostumada.

 

 

Mais uma de amor

O amor é tão suspeito quanto nós.

Meus olhos procuravam com sofrimento o relógio pendurado na parede que dividia a sala e o corredor, são quinze para as oito, repetia o processo mental em voz alta para certificar-me que algo ainda me habitava. Ainda que fosse apenas uma voz macerada pelo tempo seco e os cigarros que eram acesos incansavelmente. Não sabia que perseguindo minha própria sanidade dentro de um minúsculo apartamento com paredes e teto manchados de mofo, vinho e outras vidas, ela sairia correndo e batendo as portas com a urgência e o desespero de uma mulher violentada que procura por algum socorro. Vivíamos a lenta compenetração de um espaço comum, como dois astros que gravitam em torno de si próprios em órbitas cada vez mais distantes.

Vagava como um fantasma entre a sala e a cozinha em silêncio e sem pressa, sem perceber que também vagava dentro de mim procurando pelo resquício de uma lucidez sóbria. A tragédia do silêncio é o grito ininterrupto que vem a seguir. Estava envolvida por uma concha e dali não conseguia me mover. Estava doente de uma doença pela qual nunca pedi e da qual não queria me curar. Puxava a pele nas costelas esticando-a até que a dor fosse insuportável para averiguar se podia enxergar o que havia por dentro da carne, mas ali era apenas costelas e pele, não encontrava outra coisa se não, dor. Mas sentia que medindo os centímetros entre a carne esticada e os ossos, nesse gesto mórbido, me sentiria menos culpada pelos meus lentos processos de esfacelamento. Procurava por fraqueza, por angústia, por um detrimento emocional qualquer que encobrisse o susto de encontrar alguém que rejeitava o mundo na mesma proporção com a qual me sentia rejeitada por ele.

Estava ligada por um fio invisível e elástico a alguém que temia tanto as possibilidades quanto eu. Uma relação assimétrica, feita de longas ausências e silêncios massacrantes  em que compartilhávamos o espaço minimalista, visivelmente limpo e calmo em que ambos podíamos voltar a respirar. Minha lucidez é cética. Não afeta-se com as tragédias ocorridas fora de mim. Minha lucidez agora estava em jogo porque temia perdê-la em nome de alguém que não o meu próprio. Infestada por uma estranheza e solidão tão parecida com a que reconheço no espelho que temo acordar amanhã e me perceber indefinida. Aquele par de olhos me transformava em alguém louca e dissimulada esperando pela mais nova decepção. Aquele par de mãos fajutos e desajustados talvez fossem pura encenação. Sentia que já não conseguia encontrar o caminho de volta para casa, o amor é tão suspeitos quanto nós, dependendo de tragédias, cervejas quentes e horóscopos para se equilibrar entre dois corpos-precipícios.

 

 

O amor é tão suspeito quanto nós.

o fruto do proibido

Não posso. E por não poder, uso astrologia, luas e clichês como desculpas para o pensamento em você. Escapo pela tangente de palavras que insistem em te sussurrar em absurdos no pé do meu ouvido para me entregar a memória da pele invadida pelos seus dedos. Me retorço escornada na cama pedindo mais das tuas mãos, nossos corpos suando, você metendo e eu gemendo. Gritando. Pedindo. Implorando.

O plano era ser apenas tesão matado nas tuas vindas. Mas você sorri na minha lembrança e eu sorrio de volta. E dá medo porque vem acompanhado de uma saudade que eu nunca pedi para sentir.  A gente não se sente livre o suficiente pra gritar a coisa por aí [que coisa?], mas também não aguenta mais esconder e fica aqui coisando entre dar pistas e guardar segredos. O maniqueísmo precisa ser afastado desse fluxo se sensações que me vem. Sensações porque não me permito mais ter sentimento. Sentimento hoje, só se for tesão e do bom. Que vala a foda. O foda é que nessa de te sorrir de volta no imaginário do meu pensamento, você me come toda por dentro. E eu que não sou dada as emoções, fico nessa de ser levada pelas sensações.

 

o fruto do proibido

A inocência

O mensageiro não veio.
Não encontrou o caminho.
A vida se esvai como a sua casa da árvore envelhece.
A árvore continua dando frutos,
Seu telhado despenca.
O mensageiro perdeu a bússola.
Nós não temos para onde ir.
Não durma, por favor.
 
Quando deixarmos de sermos crianças,
Quando todos os cachorros pararem de uivar,
Quando os lobos se transformarem em ovelhas, 
Nas colinas,seremos bichos.
Passaremos as noites contando passos de quem nunca esteve aqui.
 
Quando o mensageiro chegar será tarde demais.
Eu espero que ele leia a carta.
Eu espero que tenhamos tempo de fugir
Antes que o sol chegue. 
A inocência

Ensaio de fuga

Fugindo de mais esse texto há dias, porque isso de você me inspirar não está lá muito certo. Evitando essas rimas que me surpreendem entre o café e o cigarro, escapando pela tangente de palavras que insistem em sussurrar teus absurdos no meu ouvido. Desviando de entrelinhas, silêncios e suspiros que possam dar a entender qualquer coisa que não seja.

Tateando o papel, buscando verdades.  Criando uma ficção obscena em que meus dedos atuam seu papel. Enganando meu olhar pra não encarar poesias, nem descobrir que te quero. Pedindo por milagres que repitam as noites que compartilhamos pernas e calamos silêncios com a urgência de nossas bocas abertas e quentes consumindo um desejo que não sei de onde ou quando veio. Só veio quando não mais havia tempo.

Percebendo saudades. Escrevendo vontades. Não posso. Usando luas e astronomia clichê pra justificar tanto você no pensamento. Pensando que consigo, quase acredito, mas não dá. Procurando jeitos de acelerar o tempo, engolindo a inspiração sem gelo. Buscando escapar de beijos, gostos  e declarações que você nunca fez.

Deslizando entre o incabível, pra não ouvir certas canções, disfarçando que não te encontro nesses refrões óbvios. Evitando uma tempestade já estando molhada. Sufocando perguntas porque não importa mesmo as respostas. Evitando nomear o coração coisado para que não me descubra tão perto, tão desnuda, tão vulnerável e tão invadida. Mas a vontade de me dividir persiste. E eu nego. Eu fujo e corro. Porque, se falo, parece abrir uma porta que não tenho tanta certeza que precisa ser atravessada. Porque, se escrevo, há o medo da vulgaridade se dar por vencida.

Lamentando a sua falta nessas noites de casa vazia e todo o tempo do mundo para te beijar. Cerceando uma vontade que nem sei se quero mesmo controlar. Não me sentindo livre o suficiente para gritar por aí o que não aguento mais esconder. De mim. De você. Do restante do mundo. Me desesperando pela falta de nome, de noção, de medida, de certo e errado, de fica ou vai embora. Todas as inseguranças próprias do que não se calcula, mas que a imaginação não deixa em paz.

Tentando evitar esse texto para inevitáveis noites. Mas você me tenta. E mesmo assim eu tento. E por castigo, eis o texto e uma fuga em vão.

Ensaio de fuga

Acaba, mas fica

Primeiro achei que eu havia aprendido a lidar com a saudade. Depois achei que o amor, com o passar do tempo, se torna isso de não saber se falar sobre… Natural. Mas de um jeito ou de outro, ao falar de amor, eu sempre falaria sobre você. Mas falar de você tem feito menos sentido do que costumava fazer. Encerro assim esse capítulo? Então é assim o esquecimento?

Talvez eu tenha ido deixando para trás a sensação de perda que nossos desencontros sempre me trouxeram. A saudade ainda existe, ainda bate, só não me rasga ao meio. Não tem mais dor e também não tem mais o desejo incontrolável de te arrastar de volta para minha vida sempre que você vaga longe demais dela. A promessa de amor eterno? Essa continua. Levo, sem lágrimas e com muitos sorrisos largos, as lembranças das noites incríveis porque assim inesquecível. Mas o para sempre agora é longe como o caminho de volta também. Mas nas saudades mais bonitas que sinto e sentirei, ainda serei sua. Porque muitas foram as canções, a cumplicidade e o querer mútuo que nos dedicamos.

Depois de me refazer mil vezes de uma dor costumeira, acho que me encontrei ainda lúcida e uma vontade descomunal de interromper o processo de transformar qualquer despedida na nossa. Você não é o que vai, você é o que sempre fica. Eu é que já não tenho mais tanta certeza. Talvez ela tenha morrido junto com a nossa última conversa, já era hora de encerrar capítulos. A vontade, o amor, o querer estar perto ainda existe. Ainda existe você em qualquer lugar que eu esteja, sejam eles externos ou internos. Disso eu não fujo e nem abro mão. Por mais dolorido que tenha sido, você foi meu primeiro e melhor amor. E continuará habitando dentro de mim da forma como sempre existiu. Você é linda. A mulher mais linda do mundo, meu número. De outro jeito não faz sentido.

Durante muito tempo eu temi a distância e pessoas que, eventualmente, entraram em nossas vidas com promessas de um amor novo te levassem para longe de mim, tão longe que eu não seria capaz de te alcançar mais e pedir para ficar. Parece piada quando percebo que  fui eu quem acabei me levando para longe demais. Longe porque eu precisei não precisar mais de você para me refazer e você também não precisou mais de mim. Longe porque meus pés precisavam de outro destino que não você. Longe porque esses eventuais amores chegaram pedindo uma chance para significar o que você significou. E não era justo. Nem comigo, nem com eles e nem com o peso do que isso era para você. A promessa de amor eterno não pode impedir que eu siga por caminhos onde você não exista. Talvez, eu já não tema essa vida sem você.

Você foi tanto que não há meio de virar nada. E por isso, há uma coisa que talvez nunca mude e você pode ou não compreender o valor gigantesco disso e talvez sorria, talvez não entenda o que tenho dito porque cai em contradição, mas é bonito saber e sentir que, por mais que hoje eu entenda que uma relação que se anunciou como infindável chegue, irremediavelmente ao fim, o amor permanece. O-meu-amor-por-você é seu. Não há como mudar. Quando eu sinto medo de algo, dessas coisas meio assustadoras que a vida põe na nossa frente, é no encaixe do seu abraço que eu gostaria de estar. Isso não muda. Você ainda me traz a sensação de paz. Você ainda é a única pessoa a quem mostro minhas rachaduras internas, meus machucados subjetivos e confio que vai os tocar sem abrir outras feridas. Mas agora já não há um espaço, mínimo que seja, para nos enfiarmos e esperarmos que o amanhã chegue com a possibilidade de existirmos dia-a-dia-lado-a-lado.

O amor é tão confuso quanto nós. Mas eu só sorrio de volta quando ele é a lembrança de você.

Acaba, mas fica

ao fim que não tivemos

quando nos conhecemos, eu tentava exaustivamente entender o porquê. o porquê de alguém tão diferente e tão longe de mim entrar tão ferozmente na minha vida. e eu não conseguia entender. não conseguia, nem de longe, conceber a ideia de como alguém era capaz de despertar tanta paixão em mim, quando eu supunha que já havia me esvaziado de qualquer quantidade de amor que eu pudesse doar. e eu não conseguia entender. me restou aceitar que, às vezes, os inícios não podem mesmo serem explicados didaticamente.

mas eu sabia. por dentro do próprio sentimento, que não duraria.

eu boiei ao seu redor na minha própria volatilidade. e ela me afogou porque meu corpo se tornou pesado demais para continuar.

eu queria sempre te falar sobre meus medos e traumas passados, ao invés disso, eu os revivi porque você me assustava. há muito tempo eu não queria me render à ninguém, eu não queria corresponder ao tom exagerado de alguém gostar de mim, eu não acreditava mais com toda fé católica que sempre depositei no amor. eu tive muito medo. eu queria que você soltasse meu braço, mas você me colocou em um pedestal e ao meu redor, construiu um altar. eu nunca duvidei da maneira como me amava, embora eu tivesse medo de que ela te cegasse. eu nunca duvidei que te amava, embora eu tivesse medo de me tornar cega. eu tive medo de me transformar em duas quando eu nunca tive nada palpável com alguém. eu nunca aprendi, sabe? eu nunca aprendi a aceitar amor porque, no fim, ele sempre saiu pelas primeiras frestas. eu nunca aprendi a aceitar o amor de alguém, isso inclui o meu amor-próprio, porque eu sempre fiquei sozinha em histórias longas de dores complexas, mesmo quando a outra pessoa já havia partido.

eu quis te contar que eu não consigo ter um conversa com meu pai porque algo ruim nos aconteceu quando eu ainda era só uma criança. ali, foi a primeira vez que me vi sozinha mesmo quando meu pai, visivelmente, já havia partido. eu quis te contar que, uma vez, meu avô simplesmente desapareceu sem trazer para casa o amendoim que sempre dividíamos. e a partir daí, visitas aos hospitais começaram a ser constantes, até que acabaram. meu avô voltou em uma cama engraçada e todos choravam ao redor dele. aquele dia foi o último dia em que usei meu vestido vermelho favorito porque choveu e eles o levaram embora. ali eu entendi o que era ser deixada para trás, foi quando eu aprendi a não confiar. minha mãe, sempre foi má comigo, a minha lembrança mais antiga é o dia em que ela me entregou para os meus avós. as pessoas que mais amei, tiraram de mim, a vontade de me entregar.

mas eu fui amada. eu fui acolhida. eu tive uma infância saudável apesar dos porquês. eu tive tios e tias que eram pais, eu tive uma avó que foi uma mãe, eu tive primos e primas que foram irmãos. mas as primeiras marcas ficam e os danos perduram.

depois eu quis te contar sobre o pior namoro que tive em minha vida e como ela levou de mim a leveza, meu riso fácil e a minha fé. ela me deixou marcas na pele e também na alma. ela apagou algo dentro de mim que ainda hoje não consigo acender. depois dela, qualquer sinal de amor, era uma ameaça. eu prometi que ninguém arrancaria mais nenhuma parte de mim, nem por amor, nem por ódio. nem por carência e nem por paixão. depois dela, eu me tornei um pedaço flutuante em volatilidade. proteções que se cria como ferramentas para sobrevivência. a minha foi ser fechada e inconsistente
em escolhas estranhas na minha forma de viver como se eu não devesse e não pudesse nunca errar, ser fraca ou vulnerável.

eu sempre cobrei de mim posturas claras e objetivas: vai, volta, fica. e você deturpou isso em mim porque, de alguma maneira, eu decidi que era amor. e não pequei em sentir esse sentimento por você. eu não deixei de desejar contigo uma chance, um futuro, uma vida. eu não deixei de desejar antigos clichês com você. que me mostrou que dava para sentir, que dava para deixar que me tocassem e me levassem pela mão porque, no fundo, eu gostaria de acreditar que esse não seria mais um fim para a lista das coisas boas que foram embora.

você foi honesta ao ir embora porque havia se cansado porque nunca viu, além de mim, o medo. parte disso é porque nunca fiquei nua além da nudez para você. nunca te contei do que me acorda de madrugada aos prantos. parte disso é porque eu queria que você me visse como eu sou, mas nunca me fiz vulnerável para você. e eu sinto muito.

depois disso, eu chorei. eu pedi aos meus guias espirituais que você voltasse. eu desejei ter sido diferente. mais-um-fim. mais-um-fim. hoje, eu peço para que doa cada vez menos você estar com outra pessoa da forma como esteve comigo. porque você foi. entrou em outra vida, em outros planos, com alguém que, supostamente, não tem medo de te amar. enquanto eu estive parada, talvez esperando sua volta, talvez esperando as respostas para as minhas questões. porque essa foi a forma que eu encontrei para continuar seguindo em frente. para lidar com a saudade que pesa o coração. para lidar com mais um fim. para lidar com esse sentimento de que não queria ser esquecida por alguém que eu tanto amo. eu não queria ser esquecida por você.

por mais que a dor ainda me incomode e incomode a ponta da memória e tudo que fizemos uma a outra, ainda esteja recente na minha pele, na minha vida, na minha memória frágil. por mais que você tenha ido embora antes de mim e tenhamos nos separado por entender não havia mais sentido em estarmos juntas, ainda que separadas porque a dor causada era maior que o amor que implorava para ficar. porque existe a separação para nos mostrar que é humano estar longe, do outro lado, em outro sentido. eu desejo que você olhe para dentro e encontre o que eu encontrei em você: uma fé enorme movida por amor. paciência com aquilo que você é, com tudo o que construiu e com tudo aquilo que pretende ser. continue vivendo de acordo com sua liberdade que mais tem a ver com ser aquilo que você é do que com quantas correntes se arrasta aos pés. você é forte, você é grandiosa e você é grane, não em tamanho, mas em magnitude. e eu te desejo amor. acima de qualquer coisa.

 

ao fim que não tivemos

we don’t need to say goodbye

você já precisou esquecer alguém por obrigação? você já precisou, aos socos e pontapés, diminuir uma existência que não sua dentro de você? você já tentou ir embora de uma história mesmo querendo tanto ficar? você já se colidiu com os vazios deixados dentro de si e espalhados pela sua casa e sua vida de alguém que você se viu obrigada a esquecer entre socos e pontapés? você já se agarrou a esses mesmos espaços vazios para sustentar  alguma lembrança que tornasse aquilo real? você já, C?

me pergunto qual o ponto de diferença entre o real e o imaginário para entender até onde você foi real para mim sendo tão abstrata. me pergunto qual a diferença entre esquecer e superar para me decidir por qual caminho seguir. apaga-se da pele mas a lembrança ainda faz arrepiar. a memória falha e eu nem sei mais por onde começar quando tento retomar o caminho que seguimos. você vê meus maiores temores se tornando realidade ou sua capacidade de abstração é grande o suficiente para já ter me superado e esquecido entre esses amores que te vieram rápido depois de mim?

numa espécie de curandorismo comigo mesma, repito até acreditar: é normal se sentir vulnerável e estranha. será mesmo? será mesmo que sua dor se construiu maior que a minha te fazendo incapaz de enxergar que eu também me machuquei? você decretou silêncio e esquecimento de tudo aquilo que almejamos ser quando tudo o que precisei foi de mais tempo para que fossemos, de fato. tudo o que precisei foi de espaço-tempo para dividir com você e construir com você, um pedaço de vida que eu sempre quis. e eu temi não tê-lo. e de fato, não o tive. mas quase.

o que posso dizer quando não existem palavras capazes de traduzir essa paz e essa guerra que você me apresentou? eu quero te contar tudo, mas nada parece ser o suficiente. ou capaz. não adianta legendar o sentimento. a confusão se alastra de qualquer modo. o fim é a memória mais franca que podemos ter sobre as coisas. e o nosso se encerra com uma frase sua “não foi intenso, não durou, eu não entendo”. o ponto de intersecção, c, é que as pessoas sentem de forma diferente. você foi rápida ao me amar,  quando eu não sabia o que esperar de amanhã. e eu nunca duvidei que meu amanhã seria com você.

não foi.

preciso dizer adeus para uma culpa que não é minha. e para você também.

we don’t need to say goodbye

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Pessoas se tocam, se quebram, se destroem, se constroem em infinitas possibilidades de interação. E não há nada maior que essas interações que variam de temperatura, grau, gênero e intensidade. Às vezes duram, às vezes acabam no meio de uma frase insignificante. Mas elas duram dependendo do quanto nos acrescentaram e do quanto nos ensinaram. As filosofias taoistas dizem o tempo todo que o outro é o maior espelho no qual podemos nos refletir e, consequentemente, os maiores professores que nos ensinam sobre nós mesmos.

Eu quero é dizer sobre o modo automático que lidamos com o fim dessas relações que acabam abruptamente e como o período de luto assusta quem assiste o processo. O discurso pregado com louvor diz que “a dor de um antigo amor se cura com um novo”, há quem acredite fervorosamente nessa expressão. E nessa entramos em ciclos de relacionamentos caóticos que mais destroem do que curam.

Meu último relacionamento foi um rasgo no meu miocárdio. Nos sentíamos em sintonias diferentes e nossas estações nunca se encontraram realmente. Mas esse nunca foi o maior dos problemas. Antes dela, foi igual. E antes de antes dela, também. Vê? A nossa falta de assertividade, apesar do muito amor envolvido, me serviu como alerta para os traumas de relações que me machucaram igualmente ou mais. Correndo de um relacionamento para outro, não trabalhei a cura daqueles processos e deformações que relacionamentos e pessoas anteriores me causaram. Nunca respeitei o silêncio e a quietude necessários para me respeitar. Engatei em histórias diferentes com pessoas diferentes carregando bagagens pesadas de histórias mal-resolvidas. Nunca curei feridas que ainda estavam abertas, nunca limpei a sujeira que ficou, nunca me permiti sentir a saudade pelas brechas que ainda sobraram porque precisava não ser aquela jogada à própria sorte. Nunca organizei a alma para receber novas visitas. E hoje compreendo o erro abusivo que cometi contra mim mesma e as injustiças com quem permiti que me adentrasse nesses períodos de distorção e depreciação de mim mesma.

Hoje, se eu pudesse agradecê-la pelo amor que me deu, eu agradeceria e amaria de volta por uma vida inteira. Mas se existe algo que eu seja imensamente grata pelo relacionamento que tivemos e o amor ao qual nos dispomos a sentir, é pelo fim, que me obrigou a olhar para mim mesma e compreender que o que muito erramos e o que muito nos machucamos era apenas o reflexo dos nossos traumas e medos projetados ali, uma na outra. E me conceder uma possibilidade de mudança em mim e nas minhas atitudes me permitindo ser mais assertiva e reprogramar algumas crenças que se fincaram em mim por aquilo que não deixei se consumir e se purificar com o tempo entre um relacionamento e outro.

Hoje, experiencio o real significado de perdão no silêncio que faço sobre o que nós duas fomos em nove meses. Ainda que não compreenda como chegamos até ali, ainda que eu não saiba lidar com essas partes que não compreendo; ainda assim, eu sei que saí dessa história de forma honesta. Não saímos ilesas, mas espero que ela também saiba que, apesar dos pesares, continuamos sendo incríveis e suficientes mesmo que tenhamos dito e nos sentido o contrário. E, com o coração aberto, eu aprendi a me respeitar nesses períodos de luto e respeitá-la também porque o amor foi incrível, mas a lição que me deixou, ainda mais.

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